Adr.Sara

"A orientação sexual não se trata de uma escolha"

Orientar e informar a população acerca dos direitos à Diversidade Sexual. Este é o objetivo principal da Comissão da Diversidade Sexual de Blumenau, que no mês de setembro, completou exatamente um ano de existência. Para marcar a data, a coordenadora da Comissão, advogada Sara Maria Brehm Padilha fala sobre as atividades já desenvolvidas pelo grupo e os desafios daqui para frente. Acompanhe:

A Comissão da Diversidade Sexual da OAB Blumenau completou um ano de existência neste mês de setembro. Como surgiu a ideia de implantar esta comissão na Subseção?
Trabalho com o Direito das Famílias há aproximadamente quinze anos e assim pude acompanhar, na prática, todas as profundas mudanças jurisprudenciais, doutrinárias e legislativas ocorridas nesta área nos últimos anos. Dentre as quais, os avanços conquistados nos últimos dez, notadamente na jurisprudência referente ao Direito Homoafetivo e a Diversidade Sexual. A partir de então, ao me despir de preconceitos e começar a me especializar no tema, pude prontamente verificar o imenso sofrimento e violência vivenciada pela população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) que não tem acesso, na maioria das vezes, a direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal; resultado de infundados preconceitos, falta de conhecimento e discriminações motivados pelo ódio e aversão ao diferente. Em 03 de abril de 2013, fui nomeada para ingressar na Comissão da Diversidade Sexual da Seccional da OAB de Santa Catarina, iniciando meus trabalhos na Capital. Paralelamente, percebi a dificuldade de encontrar profissionais qualificados para tratar de maneira técnica tão caro assunto em nossa região e durante uma conversa com os dirigentes da Subseção, esbocei meu desejo de criar e instalar a Comissão da Diversidade Sexual da OAB em Blumenau e recebi seu apoio imediato. E, após manifestar meu interesse em instalar uma Comissão da Diversidade Sexual da OAB em Blumenau, em 31 de maio de 2014 protocolizei, em meu nome, um pedido para criação e instituição da nossa Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Blumenau apresentando o projeto, expondo seus fundamentos e as sua finalidades; o que restou deferido.

Quando a Comissão foi formalmente instalada?
Em 11 de setembro de 2014 nossa Comissão era, então, formalmente lançada e instalada no Teatro Carlos Gomes tendo como nossa primeira atividade, um grande evento.Trouxemos para Blumenau, a renomada jurista, advogada e desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Dra. Maria Berenice Dias com a palestra "Homoafetividade, um Direito em Construção". Atualmente nossa Comissão é multidisciplinar uma vez que é composta não somente por advogados, mas por profissionais de diversas áreas do conhecimento em razão de sua temática; todos extremamente engajados em nossas atividades.

Neste primeiro ano de atuação, quais foram as principais atividades da Comissão?
Preocupados com a falta de conhecimento e principalmente de dados estatísticos oficiais e atualizados a respeito da população LGBTI na nossa região, direcionamos a atuação, neste primeiro ano, para atividades junto ao Poder Público Municipal.No final de 2014, após notícia advinda de uma transexual blumenauense, procuramos a Secretaria de Saúde do Município para reivindicar a imediata regulamentação e disponibilização do uso do nome social na carteira do SUS para a população de travestis e transexuais.Já no início de 2015, buscamos a Secretaria de Desenvolvimento Social do Município de Blumenau (SEMUDES) e solicitamos que se iniciasse a quantificação de casos oriundos em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero das pessoas, bem como, realizamos diversas reuniões; o que culminou com a parceria para a realização de uma palestra de qualificação a respeito dos direitos da população LGBTI com aproximadamente 50 assistentes sociais do Município de Blumenau que foi realizada em nossa sede. Relembre notícia aqui. Em maio deste ano, participamos da Semana Acadêmica da Psicologia da Universidade Regional de Blumenau (FURB), a convite do Centro Acadêmico de Psicologia Silvia Lane.No começo de junho, efetivamos uma exitosa parceria com a Secretaria de Educação do Município de Blumenau e palestramos sobre a população LGBTI, suas famílias e seus direitos para todos os diretores das escolas municipais. Também encaminhamos ofício à Câmara de Vereadores de Blumenau por ocasião do Plano Municipal de Educação. Agora, em setembro, pela primeira vez na história da nossa Subseção convidamos e abrimos as portas da OAB para uma reunião com o movimento social LGBTI a fim de nos conhecermos, trocarmos experiências e informações.

Sabemos que os integrantes da Comissão participam ativamente de várias atividades externas integrando-se a eventos de outros estados. Qual a importância destas participações? As dificuldades de todas as Comissões são comuns?
Participei, sempre as minhas expensas, de todos os principais eventos e Congressos possíveis a fim de me qualificar para trabalhar nesta importante Comissão.Participar ativamente destes eventos e Congressos Nacionais, além de todo o conhecimento adquirido, nos permite trocar informações, experiências e dificuldades vivenciadas e enfrentadas pelas Comissões de todo o Brasil, bem como, traçar metas com os demais Presidentes e integrantes, já que são realizadas anualmente reuniões que antecedem as aberturas dos Congressos.As dificuldades são inúmeras e estas quase sempre iniciam na própria formação da Comissão da Diversidade Sexual como foi o caso de Blumenau.De um modo geral, as pessoas têm receio de participar e posteriormente sofrer constrangimentos sociais e/ou profissionais por estar ligadas, de certa forma, a população LGBTI; tamanho é o preconceito que ainda vivemos.Aliado a isto verificamos facilmente, ao iniciar os trabalhos, não haver preocupação social e/ou política com essa população, não há políticas públicas específicas e direcionadas, não há estatísticas oficiais e a sociedade tende a mantê-los em verdadeiros guetos para condená-los a eterna invisibilidade e sofrimento.Todavia, com o respaldo do Poder Judiciário começamos há alguns anos mudar o rumo desta triste realidade e, embora muitos queiram cruelmente ignorar a existência dessas pessoas e de suas famílias o direito não pode ignorar esta realidade.Ao contrário, devemos buscar a tutela merecida.

Sabemos que ainda existe muito preconceito em relações a escolhas sexuais. De que forma a Comissão está atuando nisso?
Antes de mais nada, é importante revermos a forma como a pergunta foi posta.Não se trata de uma escolha do indivíduo!E neste ponto reside a grande parte de desinformação da população em geral.Até porque nenhuma pessoa que vive no Brasil, país que vergonhosamente lidera reconhecidos rankings mundiais de violência contra sua própria população LGBTI "escolheria", em sã consciência, sofrer as mais diversas formas de constrangimentos, cerceamentos de direitos e violências de toda ordem em razão de sua orientação sexual e/ou sua identidade de gênero.Ademais, existem estudos científicos de diversas áreas, na atualidade, que demonstram que desde os primeiros estágios de desenvolvimento no útero materno já são perceptivas diferenças cerebrais nas áreas relacionadas à orientação sexual.Desta feita, não podemos deixar de se considerar que existem correntes científicas que reconhecem não se tratar de uma escolha e sim, de uma característica genética, assim como o indivíduo ser canhoto, ou destro, ter cabelos loiros ou olhos verdes.A questão do preconceito está relacionada justamente na falta de informação histórica que temos sobre a sexualidade humana, uma vez que a sexualidade sempre foi controlada desde muito cedo na civilização e o reflexo é a falta de acesso pela população, de modo geral, a informações científicas e estudos sérios que tratam sobre a temática.Por isso se tem tantas dúvidas a respeito.A orientação sexual não se trata de uma escolha porque não é uma ação que o indivíduo realize de maneira consciente. As pessoas não são heterossexuais porque realizam esta escolha, mas sim porque elas o são e da mesma forma se dá com os homossexuais, o que nada tem haver com comportamento sexual.A par de tudo isso enfrentamos a perversa e nociva omissão do legislador em elaborar e aprovar leis que atendam aos interesses jurídicos desta população em observância aos ditames constitucionais, o que tem um nefasto efeito de alimentar o preconceito, o ódio e a estimular a violência contra a população LGBTI.

Como combatemos está triste realidade?
Essencialmente com informação, que é exatamente o que a Comissão da Diversidade Sexual da OAB Blumenau vem realizando. Temos trabalhado para dar informação a respeito dos direitos à Diversidade Sexual.

Quais os próximos passos da Comissão? Quais as atividades previstas e necessárias para o próximo ano?
Realizaremos alguns projetos já previstos para 2015. Todavia, o futuro desta "recém-nascida" e não menos importante Comissão, estará completamente nas mãos do próximo Presidente eleito, uma vez que, infelizmente, ela não é permanente necessitando que seja reinstalada. Assim, no mês de outubro, procuraremos individualmente todos os candidatos a Presidência da Subseção de Blumenau para que assinem o compromisso de reinstalar e dar continuidade as ações da Comissão da Diversidade Sexual da OAB de Blumenau.